
A poesia visual é um campo artístico que se baseia na experimentação com a forma e a disposição gráfica do texto, utilizando elementos visuais para potencializar o impacto poético. Por outro lado, a poesia gráfica é um ramo da banda desenhada (ou quadrinhos) que se destaca pelo uso poético de imagens e palavras, ultrapassando o formato narrativo tradicional e enfatizando aspectos mais abstratos e expressivos.
Essas duas vertentes compartilham uma série de características, como o uso de elementos visuais e textuais de maneira integrada, gerando uma "fricção criativa" entre texto e imagem. Esse diálogo entre linguagens distintas tem o potencial de criar novas formas de interpretação e emoção estética. Em ambos os casos, o que se observa é a criação de uma "iconotextualidade", ou seja, uma unidade inseparável entre texto e imagem que gera significados únicos.
A influência da banda desenhada na poesia e vice-versa
Desde a década de 1960, a criação poética vem sendo influenciada pela estética da banda desenhada, incorporando características como tipografias específicas, expressões gráficas e o uso de onomatopeias com valor poético. Essa interseção abriu caminho para que a banda desenhada fosse vista como um meio poético em si, permitindo fusões entre o "nono arte" e formas poéticas experimentais, como a poesia concreta ou visual.
Autores e teóricos têm destacado como essas novas abordagens desafiam a relação tradicional entre tempo, espaço e narrativa na banda desenhada, propondo formas mais abertas e experimentais de comunicação. A evolução das práticas e dos contextos de produção de ambos os campos tem levado a um diálogo mais intenso entre estudiosos interessados nas inovações trazidas por essas criações.
Um espaço comum de experimentação
Apesar de a poesia e a literatura serem geralmente vistas como formas de arte "maiores", e a banda desenhada como uma forma "popular" ou mediática, ambas produzem formas de arte que integram texto e imagem de maneira indissolúvel. O conceito de "grafiação", por exemplo, destaca como a identidade gráfica de uma obra pode refletir a subjetividade do autor, seja na poesia visual ou na poesia gráfica.
O diálogo entre esses dois campos artísticos também convida à reflexão sobre as relações entre linguagem verbal e não verbal, questionando as fronteiras entre elas e propondo uma recepção tanto analítica quanto sensorial por parte do público. Julia Otxoa, uma importante poetisa e ilustradora espanhola, sugere que a poesia experimental, tanto visual quanto gráfica, deve ser entendida como um campo aberto, sem definições rígidas, um laboratório de expressões estéticas ilimitadas.
Questões e reflexões
Além das questões sobre classificações e formatos editoriais, a jornada de estudos levantou debates sobre como compreender o diálogo entre a poesia visual e a banda desenhada poética. As abordagens comparativas são particularmente enriquecedoras, já que exploram as similaridades nos processos de criação, contextos de produção e formas de recepção dessas obras. Ao mesmo tempo, surgem reflexões sobre as "interferências" e "permeabilidades" entre os dois campos, bem como as áreas onde essas formas de arte se mantêm impermeáveis entre si.
Perguntas e Respostas para Entender o Conteúdo
Pergunta: O que são "poesia visual" e "poesia gráfica" e como se distinguem? Resposta: Poesia visual utiliza palavras dispostas de forma a criar imagens, misturando a expressão escrita com aspectos visuais. Já a poesia gráfica incorpora elementos como personagens, símbolos ou sons típicos de quadrinhos, explorando o potencial criativo dessas formas para gerar efeitos poéticos.
Pergunta: O que significa dizer que as fronteiras entre poesia visual e poesia gráfica são "porosas"? Resposta: Isso significa que não há uma separação rígida entre essas duas formas de arte. Ambas compartilham a combinação de palavras e imagens de maneira experimental, e as características de cada uma podem se misturar, resultando em criações híbridas.
Pergunta: Como os quadrinhos se tornaram um meio poético? Resposta: Os quadrinhos, ao longo do tempo, começaram a usar elementos poéticos, como o jogo de formas e sons. Isso ampliou o papel dos quadrinhos para além da simples narrativa, permitindo a criação de obras com maior ênfase no aspecto visual e poético.
Pergunta: Qual é o papel da "graficidade" ou da "gráfica poética" nessas criações? Resposta: A graficidade está relacionada à força visual que uma obra transmite, sem depender de uma sequência narrativa. Na poesia gráfica, a ênfase está no impacto das imagens e na disposição visual dos elementos, que criam novos significados e experiências sensoriais.
Pergunta: O que é "graphiation" e como ela se aplica à poesia gráfica e visual? Resposta: "Graphiation" é a assinatura pessoal de um artista, que se reflete no estilo visual e na forma única de criar imagens ou formas. Esse conceito é importante na poesia gráfica e visual porque mostra como a individualidade do criador se manifesta através das composições visuais.
Pergunta: Como a combinação de diferentes formas de comunicação impacta essas poesias? Resposta: A interação entre imagens e palavras gera novas formas de expressão, que ultrapassam as fronteiras tradicionais de comunicação. Isso cria uma experiência rica, que envolve tanto o aspecto visual quanto o cognitivo, promovendo um envolvimento mais profundo com a obra.
Pergunta: Como a poesia experimental desafia as definições tradicionais? Resposta: A poesia experimental rejeita limites rígidos, promovendo liberdade criativa. Ela se caracteriza pela busca constante por novas formas de expressão, permitindo intervenções e criações ilimitadas, sempre explorando a inovação estética.
Glossário Técnico
Conceitos Técnicos
Poesia gráfica: Tendência da banda desenhada que enfatiza seu potencial poético e experimental, em que os limites entre imagem e texto são borrados. É influenciada por diferentes encontros entre poesia e quadrinhos ao longo da história do nono arte. Frequentemente chamada de graphic poetry em inglês e poémic em francês.
Poesia visual: Forma de expressão poética que utiliza elementos visuais como parte integral do processo criativo, rompendo com a tradicional separação entre forma verbal e visual. Esta categoria inclui práticas associadas à poesia concreta, caligramas e outras experimentações poéticas modernas.
Intermidialidade: Relação entre diferentes meios de expressão (texto e imagem, por exemplo) dentro de uma obra de arte ou literatura. Na poesia visual e poesia gráfica, ocorre quando as fronteiras entre palavra e imagem se tornam porosas e colaborativas.
Iconotexto: Conceito que descreve uma unidade indivisível entre texto e imagem dentro de uma obra, em que ambos os elementos se complementam para gerar sentido. Esse conceito é central para a análise da poesia gráfica e poesia visual (Montandon, 1990).
Grafigrama (ou grafiação): Termo cunhado por Philippe Marion (1993) para descrever o processo de criação gráfica em que uma marca ou traço visual expressa uma identidade única do autor, refletindo uma subjetividade expressa pela fusão entre imagem e texto.
Poesia concreta: Movimento artístico-literário que enfoca a materialidade da linguagem, priorizando a forma visual e espacial das palavras sobre o seu significado semântico. Muito influente no desenvolvimento da poesia visual e outros gêneros experimentais.
Calligramas: Poemas em que a disposição visual das palavras forma uma imagem relacionada ao conteúdo do texto, frequentemente associados a Guillaume Apollinaire e ao movimento de vanguarda.
Lettrismo: Movimento artístico-literário que explora as possibilidades gráficas e sonoras das letras e símbolos, sendo precursor de várias formas de poesia visual e poesia experimental.
Concretismo: Movimento artístico e literário que valoriza a forma geométrica e a estrutura visual das palavras em detrimento de uma narrativa linear tradicional, sendo uma forma específica de poesia visual.
Ultraísmo: Movimento literário surgido na Espanha no início do século XX, que se propunha a romper com a tradição lírica anterior, influenciando diretamente a poesia experimental e poesia visual.
Futurismo: Movimento de vanguarda que enfatizava a ruptura com o passado e a celebração da modernidade, especialmente o dinamismo e a velocidade, influenciando a estética visual da poesia experimental e poesia gráfica.
Poética bédéique: Termo que se refere ao uso de elementos da banda desenhada (como onomatopeias, personagens e cores) dentro da criação poética, resultando em uma fusão entre as formas narrativas e visuais do nono arte e a poesia.
Autores Clássicos
Philippe Marion (1993): Autor da obra Traces en cases, em que desenvolve o conceito de grafigrama ou grafiação para descrever a subjetividade expressa pela criação gráfica na banda desenhada, particularmente no contexto da fusão entre texto e imagem.
Alain Montandon (1990): Editou o livro Iconotextes, que explora a relação entre texto e imagem em diversas manifestações artísticas, sendo uma obra de referência na análise da poesia gráfica e poesia visual.
Álvaro Pons: Especialista em banda desenhada e poesia gráfica, questiona as fronteiras entre narração e experimentação gráfica em quadrinhos, destacando como as obras podem focar no potencial poético da expressão gráfica sem depender da narrativa tradicional.
Lucie Lavergne, Bénédicte Mathios e Daniel Rodrigues (2022): Editores da obra Poésie visuelle : l'expérimentation en question(s), que trata da intersecção entre poesia visual e poesia gráfica e suas manifestações em práticas contemporâneas de experimentação.
Julia Otxoa: Poeta e ilustradora espanhola que defende uma abordagem aberta e sem definições rígidas para a poesia experimental, enfatizando a sua natureza transgressora e sua capacidade de transcender fronteiras formais e estéticas.
Jesús Gisbert (2019): Autor de Gráfica poética, poesía gráfica, que examina a interação entre quadrinhos e poesia e como essas formas podem dialogar na criação de novas formas de expressão artística.
O futuro da poesia, seja ela visual ou gráfica, parece estar cada vez mais entrelaçado com as possibilidades da experimentação e da intermedialidade.
Fonte: Demoulin, E. (2023, February 22). Poésie visuelle et poésie graphique/Poesía visual y poesía gráfica (Clermont-Ferrand). MSH de Clermont-Ferrand.
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