Entendendo o Physicalismo e os Desafios ao Conhecimento: O Caso de Mary

Olhar para o céu azul em um dia claro, ouvir uma música que te emociona ou sentir o gosto amargo de um café recém-preparado. Esses momentos envolvem algo que vai além dos processos físicos que os causam: envolvem a experiência pessoal, a sensação única que cada um de nós tem ao vivê-los. Esse aspecto da vivência é chamado de "qualia".
Qualia são as qualidades subjetivas das nossas experiências conscientes — aquilo que torna uma experiência específica para quem a sente. Não importa quantas informações científicas tenhamos sobre como a luz do céu é processada pela retina, sempre haverá uma diferença entre saber sobre o processo físico e experimentar, de fato, a sensação do azul do céu. Duas pessoas podem olhar para o mesmo pôr do sol e descrever a mesma cena, mas a experiência interna de cada uma é intransferível. É exatamente essa característica que desafia a ideia de que tudo na realidade pode ser explicado apenas por meio de fatos físicos.
No campo da filosofia, existe uma discussão sobre a natureza da realidade: o physicalismo. Segundo essa visão, tudo o que existe é, essencialmente, físico. Isso significa que qualquer fato da realidade é explicável a partir de fatos físicos, sejam eles sobre a natureza, o comportamento humano ou a mente. No entanto, essa ideia é frequentemente questionada, especialmente em relação à nossa experiência subjetiva e consciente.
Frank Jackson apresentou um argumento contra o physicalismo: o argumento do conhecimento. Ele faz isso através de um experimento mental chamado "O Caso de Mary", que desafia a ideia de que tudo pode ser reduzido a explicações físicas.
O Caso de Mary: Um Experimento Mental
Mary é uma cientista que sabe tudo sobre a visão humana, mas vive em um quarto preto e branco. Ela estudou como a luz e as cores funcionam, entende a neurofisiologia da visão e sabe como o cérebro processa as informações visuais. Contudo, ela nunca viu uma cor em sua vida. Quando Mary sai do quarto e vê a cor vermelha pela primeira vez, ela descobre algo novo. Esse novo conhecimento não estava em seus livros nem em suas equações. Era algo sobre como é ver o vermelho.
Jackson argumenta que esse momento revela uma falha no physicalismo. Se Mary sabia tudo sobre a física da visão, mas mesmo assim aprendeu algo novo ao ver a cor, então isso significa que existe mais na realidade do que apenas fatos físicos. Existe um componente subjetivo que escapa à descrição puramente científica.
Qualia: A Experiência Subjetiva
Esse componente que falta à descrição física é chamado de "qualia". Qualia são os aspectos subjetivos da nossa experiência consciente, como o que sentimos ao olhar para o céu azul, ouvir música, ou provar um limão azedo. São essas qualidades que tornam nossa experiência pessoal, e elas parecem ser impossíveis de reduzir a uma explicação física.
Por exemplo, duas pessoas podem olhar para o mesmo pôr do sol, mas suas experiências podem ser diferentes. Essa é a essência do conceito de qualia: a ideia de que a experiência consciente é algo pessoal e que desafia o physicalismo.
Respostas ao Argumento de Jackson
Os physicalistas responderam de duas formas principais ao argumento de Jackson:
Hipótese da Habilidade: Alguns argumentam que, ao ver a cor vermelha pela primeira vez, Mary não adquire novos fatos, mas sim novas habilidades. Ela ganha a capacidade de reconhecer e lembrar como é ver vermelho, mas isso não significa que existam novos fatos a serem conhecidos. Trata-se de um tipo diferente de conhecimento — um "saber fazer", e não um "saber que". Assim, não haveria uma falha no physicalismo, apenas uma diferença na forma de conhecimento.
Estratégia do Conceito Fenomenal: Outra resposta afirma que Mary aprende algo novo, mas o que ela aprende diz respeito ao tipo de conceito usado para entender sua experiência. Ela passa a utilizar "conceitos fenomenais", que são formas de descrever experiências. No entanto, isso não significa que esses conceitos se refiram a algo não físico. São apenas maneiras diferentes de acessar a mesma realidade física.
O argumento do conhecimento de Frank Jackson questiona a capacidade do physicalismo de explicar todos os aspectos da realidade, principalmente aqueles ligados à experiência subjetiva. As respostas dos physicalistas mostram as dinâmaicas desse debate, discutindo se o conhecimento subjetivo pode ser reduzido ao físico ou se existe uma diferença fundamental na forma como vivemos e experimentamos o mundo.
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