
O livro O Progresso do Amor, escrito por Alice Munro e traduzido para o português por Pedro Sette-Câmara, é uma coletânea de contos que explora temas como a memória, a família e as dificuldades das relações humanas. Munro, conhecida por sua habilidade em dissecar a vida cotidiana, mais uma vez conduz o leitor por histórias onde os pequenos gestos e as lembranças possuem um grande peso.
(i) A memória como construção e desintegração: Um dos temas centrais que Munro aborda nesta coletânea é a memória, tanto sua fragilidade quanto sua persistência. Os personagens frequentemente revisitam o passado, reinterpretando suas vidas e as decisões que tomaram. O conto que dá nome à coleção, "O Progresso do Amor", exemplifica isso ao narrar a história de uma mulher que pensa sobre a relação conflituosa entre seus pais e as memórias contraditórias que guarda da infância. A autora explora como as memórias, por mais vivas que possam parecer, são sempre fragmentárias e sujeitas à reconstrução constante.
(ii) Família e as dinâmicas emocionais: As relações familiares permeiam todos os contos da coleção. Munro apresenta famílias que, à primeira vista, podem parecer comuns, mas, sob a superfície, enfrentam traumas, perdas e segredos ocultos. A relação entre mães e filhas, por exemplo, é tema recorrente, com Munro apontando os sentimentos ambivalentes de carinho e ressentimento que marcam essas relações. O conto "Entulho Branco" explora essa ambiguidade, ao retratar uma mulher que cuida da mãe idosa, ao mesmo tempo em que lida com suas próprias frustrações e arrependimentos.
(iii) A presença do passado no presente: Em cada uma das histórias, o passado nunca é completamente deixado para trás. Ele está sempre presente, moldando as ações e emoções dos personagens. Munro utiliza flashbacks e histórias dentro de histórias para explorar como os eventos passados continuam a influenciar as vidas dos personagens, criando uma teia entre o que foi e o que é. Em “Uma Veia Esquisita”, por exemplo, a protagonista é levada a revisitar seu passado para compreender as escolhas que moldaram sua vida adulta.
Munro também consegue trazer à tona a geografia emocional e física de seus personagens, descrevendo com detalhes ambientes rurais e urbanos do Canadá, relacionando o espaço às emoções internas de seus protagonistas. A autora captura o cotidiano de forma quase fotográfica, imbuindo as ações mais simples de seus personagens com grandes significados.
Três cenas se destacam:
1. A tentativa de suicídio da mãe de Marietta
Uma das cenas mais marcantes é quando a mãe de Marietta tenta se enforcar. Marietta, ainda jovem, encontra sua mãe de pé em cima de uma cadeira no celeiro, com uma corda no pescoço, sorrindo de forma estranha, como se estivesse desafiando a filha. A situação cria uma tensão intensa porque Marietta, apesar do medo, tenta convencer a mãe a descer da cadeira sem fazer barulho, temendo que qualquer grito a levasse a se jogar da cadeira e completar o suicídio. A mãe, no entanto, ordena que a filha vá buscar o pai, e Marietta, com o coração pesado, obedece, correndo pela cidade para tentar encontrá-lo. No fim, a mãe é salva pela vizinha, a sra. Sutcliffe, mas o evento deixa uma marca profunda na vida de Marietta.
2. O jantar na Pousada Wildwood
Em outra cena, Beryl, irmã da mãe de Marietta, e o senhor Florence levam a família para um jantar inesperado na pousada Wildwood. A família de Marietta, acostumada a uma vida simples e rural, se sente deslocada naquele ambiente mais sofisticado. Durante o jantar, o pai de Marietta faz brincadeiras sobre o frango servido e comenta que parece estar comendo "galo" velho. Há uma tensão silenciosa entre as tentativas de Beryl de impressionar e a realidade da situação desconfortável para todos. Nesse jantar, além da comida diferente, a mãe de Marietta faz uma oração antes de todos começarem a comer, e há um contraste entre a simplicidade da família e o ambiente formal.
3. O segredo do dinheiro queimado
Uma das cenas mais impactantes emocionalmente ocorre no carro, quando a mãe de Marietta revela a Beryl que queimou a herança que recebeu do pai delas. Beryl, chocada, pergunta o porquê de um ato tão drástico, e a mãe de Marietta responde com calma que odiava o pai e não queria nada dele. Ela conta que foi até o banco, trocou a herança por dinheiro vivo e o queimou lentamente no forno a lenha de casa. Beryl reage com indignação, dizendo que o ato foi "criminoso", já que o dinheiro poderia ter ajudado a família. Essa revelação é seguida de um silêncio tenso, e o pai de Marietta apenas concorda que o dinheiro era da esposa, sugerindo uma aceitação da decisão.
Essas cenas são exemplos de momentos intensos que exploram o lado emocional e psicológico dos personagens.
Abaixo estão algumas importantes perguntas para que entenda o livro:
Quem é o autor do livro e qual é o título original?
O livro foi escrito por Alice Munro e o título original é The Progress of Love.
Quando foi publicada a tradução para o português e quem foi o tradutor?
A tradução para o português foi publicada em 2017, e o tradutor foi Pedro Sette-Câmara.
Quais temas são abordados no livro?
O livro aborda temas como as relações familiares, memórias do passado, o amor, a vida cotidiana e suas transformações emocionais e psicológicas.
Qual a importância das memórias na narrativa de O Progresso do Amor?
As memórias desempenham um papel importante, pois são o meio pelo qual os personagens revisitam o passado, reinterpretando suas vidas e eventos, influenciando a forma como veem o presente.
Como as relações familiares são tratadas nas histórias de Alice Munro?
As relações familiares são retratadas, muitas vezes expondo tensões ocultas, arrependimentos e a influência do passado sobre os laços familiares.
Qual é o papel das mulheres nas histórias de Munro, como representado no livro?
As mulheres nas histórias de Munro são frequentemente mostradas em papéis complexos, enfrentando desafios pessoais e familiares, explorando temas de autonomia, sacrifício e o peso das expectativas sociais.
Há alguma simbologia marcante nas histórias de O Progresso do Amor?
Sim, há simbolismos relacionados ao tempo, como a passagem das gerações e o envelhecimento, e objetos cotidianos que carregam memórias, como o papel de parede, que simboliza a tentativa de reorganizar o passado.
Quais são algumas das histórias que compõem o livro e o que elas exploram?
Algumas histórias são "O Progresso do Amor", "Liquens" e "Jesse e Meribeth", e elas exploram temas como as dinâmicas emocionais das famílias, o amor e as lembranças que moldam a identidade dos personagens.
Como o tempo é retratado nas histórias de Munro?
O tempo é tratado de forma não linear, com frequentes saltos entre o presente e o passado, expondo como eventos antigos influenciam a percepção dos personagens sobre suas vidas.
Quais são as características da escrita de Alice Munro observadas neste livro?
A escrita de Munro é marcada pela atenção aos detalhes da vida cotidiana, pela exploração psicológica dos personagens e pela habilidade em capturar momentos simples com grande significado emocional.
O Progresso do Amor é uma obra sobre o ser humano, especialmente em suas relações mais íntimas e em como o passado permanece vivo dentro de nós. Munro, com sua escrita observadora, faz uma dissecação das emoções humanas, mostrando como o amor, o rancor, o arrependimento e a memória interagem de maneiras muitas vezes contraditórias. É uma leitura para aqueles que apreciam histórias que conduzem o leitor a pensar sobre suas próprias experiências e memórias.
Comments