top of page

Negatividade narrativa



O conceito de negatividade narrativa busca explorar os aspectos "negativos" ou ausentes nas narrativas literárias, isto é, elementos que não seguem as características tradicionais ou "positivas" que geralmente são atribuídas às narrativas.


Conceitos Teóricos Centrais


  1. Narratologia Clássica: A narratologia clássica, como proposta por estudiosos como Vladimir Propp, centrava na análise das estruturas positivas das narrativas, isto é, tentava identificar padrões, funções e qualidades recorrentes nas histórias. Propp, por exemplo, analisou os contos populares russos, propondo um esquema fixo de funções narrativas.


  2. Positividade na Narrativa: Os teóricos narrativos frequentemente se concentraram em qualidades positivas e definíveis nas histórias, como:


    • "Asseguramento": a ideia de que o enredo e a narrativa garantem ao leitor uma sensação de clareza ou fechamento (conceito de Gérard Prince).

    • "Eventualidade": a presença de eventos ou ações que movimentam a narrativa, como proposto por Wolfgang Schmid.

    • "Clausura": o conceito de Marie-Laure Ryan, que se refere ao encerramento da narrativa, onde os eventos atingem uma resolução final.


  3. Negatividade Narrativa: Ao contrário da positividade, a negatividade narrativa olha os aspectos que contradizem essas qualidades tradicionais. Teóricos como Wolfgang Iser, Julia Kristeva e Maurice Blanchot exploraram o papel da "negatividade radical", sugerindo que o verdadeiro núcleo das narrativas literárias reside em suas ausências, falhas ou aspectos inomináveis.


    • Wolfgang Iser fala de uma "infraestrutura negativa" dos textos literários, onde o que não é dito ou explicitado também contribui para o efeito narrativo.

    • Julia Kristeva distingue entre o "géno-texte" (a estrutura oculta ou subjacente de um texto) e o "phéno-texte" (a superfície visível e facilmente interpretável de um texto), sugerindo que a negatividade pode residir no nível mais profundo e abstrato das narrativas.


Eixos de Discussão


  1. Negatividade Epistêmica:

    • Certas estruturas narrativas resistem à teorização positiva ou tradicional.

    • Quais aspectos das narrativas desafiam a análise convencional? Como as abordagens pós-estruturalistas podem contribuir para entender narrativas que escapam às definições tradicionais?


      Ocorre que algumas narrativas desafiam a análise tradicional porque:


      1. Faltam elementos claros: Elas podem não seguir uma estrutura comum, como começo, meio e fim, ou deixar de apresentar eventos importantes de forma clara.

      2. Quebram expectativas: Histórias que propositalmente ignoram regras convencionais, como não ter um final fechado ou seguir uma linha do tempo linear, desafiam a ideia de como uma "boa" história deve ser.

      3. Usam o que não é dito: Muitas vezes, o que não está explícito na história (lacunas, silêncio, ambiguidade) é tão importante quanto o que é dito diretamente.


        As abordagens pós-estruturalistas, como as de Julia Kristeva e Wolfgang Iser, são úteis porque:


        1. Focam no que está ausente: Elas não olham apenas para o que está presente no texto, mas também para o que não é dito ou é deixado implícito.

        2. Exploram significados escondidos: Elas ajudam a interpretar histórias onde o sentido não está totalmente claro e onde as interpretações vão além do que está visível no texto.

        3. Flexibilizam as regras: Essas abordagens aceitam que histórias não precisam seguir sempre as mesmas regras e que o significado pode ser construído de formas inesperadas.


  2. Negatividade Linguística:

    • Discute-se a diferença entre o conteúdo de uma narrativa e as interpretações que ela suscita.

    • Muitas vezes, o significado de uma narrativa não pode ser extraído diretamente do texto, mas surge de dinâmicas de significado que vão além da linguagem.

    • Questões levantadas: Como narrativas conseguem "dizer" algo sem narrar explicitamente? Que consequências isso traz para a teoria narrativa?


      Algumas narrativas conseguem transmitir mensagens ou significados sem dizer tudo de forma direta. Isso acontece quando:


      1. Deixam informações subentendidas: O autor não fala tudo, mas o leitor ou espectador entende através de dicas, como diálogos ou ações dos personagens.

      2. Usam símbolos ou metáforas: Certas imagens ou ações representam algo maior sem ser explicado diretamente. Por exemplo, um céu nublado pode simbolizar tristeza.

      3. Criam lacunas ou silêncio: O que não é dito ou o que está ausente na história pode fazer o leitor imaginar ou preencher as informações por conta própria.


    Essas estratégias mudam a forma como entendemos e analisamos narrativas porque:


    1. Nem tudo é direto: As histórias não precisam sempre explicar tudo claramente. Isso desafia a ideia de que uma boa narrativa é aquela que sempre "conta" tudo.

    2. Foco no leitor: O leitor se torna mais ativo, tendo que interpretar e preencher os vazios deixados pela narrativa. Isso muda como pensamos sobre a função da narrativa e a participação de quem a lê.



  3. Negatividade Literária:

    • A avaliação das narrativas muitas vezes envolve julgamentos normativos sobre o que é um "bom" ou "mau" texto. No entanto, narrativas podem desafiar deliberadamente essas normas positivas, como as expectativas de fechamento ou inovação literária.

    • Exemplos: Narrativas que intencionalmente quebram as regras tradicionais de construção de enredo ou desafiam as convenções de gênero literário.


  4. Negatividade Radical:

    • Discute se é possível investigar a negatividade de uma narrativa sem depender da tradicional oposição entre positivo e negativo.

    • A metodologia aqui proposta busca entender os textos além das distinções clássicas, como narrativas miméticas (que imitam a realidade) e não miméticas (que fogem à representação realista).


Autores e Teóricos Clássicos


  1. Vladimir Propp (1895-1970): Propp foi um estudioso russo que analisou as estruturas narrativas de contos folclóricos, estabelecendo um sistema de funções narrativas que se repetem em diferentes histórias. Ele é frequentemente associado à ideia de positivismo narrativo, ao tentar identificar padrões universais nas narrativas.

  2. Wolfgang Iser (1926-2007): Teórico literário alemão, Iser desenvolveu a ideia da "negatividade radical" nas narrativas. Ele sugeriu que o que não é dito em uma história – as lacunas, omissões e ambiguidades – é tão importante quanto o que é dito, pois cabe ao leitor preencher esses vazios.

  3. Julia Kristeva (1941-): Filósofa e crítica literária búlgara, Kristeva introduziu a ideia de que os textos literários possuem camadas profundas de significado (géno-texte) que não são imediatamente visíveis, e que essas camadas podem conter elementos de negatividade que resistem à análise superficial.

  4. Maurice Blanchot (1907-2003): Escritor e filósofo francês, Blanchot discutiu o papel da ausência e do silêncio na literatura. Para ele, o poder de um texto muitas vezes reside em sua capacidade de evocar o que está ausente ou indefinido.


Discussão sobre Exemplos de Negatividade Narrativa


  1. Narrativas "Anti-Miméticas": Narrativas que desafiam a representação realista, como as obras discutidas por Brian Richardson, que exploram histórias "não naturais" ou "anti-miméticas". Essas narrativas fogem à lógica comum, desafiando a expectativa de que a história deve imitar a realidade.

  2. "Não-Racontável" e "Dis-Racontado" (Gérard Prince): Gérard Prince explora o conceito de que algumas histórias não podem ser contadas diretamente ou são desfeitas no ato de narrar. Esses elementos indicam a presença de uma negatividade inerente ao próprio ato de contar histórias.

  3. Virtualidade Narrativa (Marie-Laure Ryan): Marie-Laure Ryan introduz o conceito de virtualidade para descrever aspectos da narrativa que permanecem potenciais ou latentes, que nunca se realizam completamente no enredo, mas que influenciam a interpretação do leitor.


Perguntas para Reflexão


  1. Como a ausência ou o "não dito" pode influenciar a interpretação de uma narrativa?

  2. De que maneira as narrativas podem desafiar as expectativas convencionais sem perder sua eficácia literária?

  3. É possível analisar uma narrativa sem recorrer às distinções tradicionais entre positivo e negativo?


Conclusão


O estudo da negatividade narrativa propõe um novo olhar sobre as narrativas, centrando não apenas no que elas dizem explicitamente, mas no que deixam de dizer ou sugerem indiretamente. Ao investigar essas lacunas, resistências e ambiguidades, os estudiosos podem compreender os textos literários e desafiar os limites tradicionais da teoria narrativa.


Atividade Complementar


  • Leitura Recomendada: Estudar exemplos de narrativas "não naturais" ou "anti-miméticas", como obras de Samuel Beckett ou Kurt Vonnegut, e analisar como a negatividade narrativa está presente.

  • Discussão em Grupo: Escolha uma narrativa que contenha elementos ambíguos ou "não ditos" e discuta como esses elementos contribuem para a complexidade do texto.

Comments


bottom of page