
Hoje vamos falar sobre um estudo muito interessante que aborda a qualidade de vida relacionada à saúde, função sexual, saúde psicológica e preocupações reprodutivas em mulheres jovens que passaram por uma cirurgia de preservação de fertilidade para tratar tumores ovarianos.
Essa pesquisa é relevante porque centra em um grupo específico de mulheres, com idades entre 18 e 40 anos, que além de lidarem com o impacto emocional do diagnóstico de câncer, têm o desejo de preservar a capacidade de ter filhos biológicos.
Contexto do Estudo
Primeiro, é importante entender o que é a cirurgia de preservação de fertilidade. Quando falamos disso no contexto de tumores ovarianos, significa que durante a cirurgia, o útero e ao menos parte de um dos ovários são preservados, ao invés de serem completamente removidos. Isso oferece às mulheres a chance de ainda poderem ter filhos, o que tem um grande impacto emocional e físico.
O estudo acompanhou 49 mulheres ao longo de dois anos, medindo aspectos como:
Qualidade de vida relacionada à saúde (HRQoL),
Função sexual,
Saúde psicológica,
Preocupações reprodutivas.
Vamos detalhar melhor os principais conceitos que surgiram no estudo para entender o impacto deles na vida das mulheres.
Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (HRQoL)
A Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (Health-Related Quality of Life, HRQoL) refere-se ao impacto que as condições de saúde, incluindo doenças e tratamentos, têm no bem-estar físico, emocional e social de uma pessoa. No estudo, isso foi medido usando questionários específicos que avaliaram várias dimensões:
Física: Nível de energia, dor, fadiga e capacidade de realizar atividades diárias.
Emocional: Como as emoções são afetadas pela doença ou tratamento (ansiedade, depressão, medo).
Cognitiva: Capacidade de pensar claramente, lembrar e se concentrar.
Social: Como a doença afeta os relacionamentos e a interação social da paciente.
Essas dimensões são fundamentais para entender como as mulheres lidam com o câncer e os tratamentos, pois não se trata apenas de sobrevivência, mas também de como elas vivem com qualidade.
Função Sexual
A função sexual refere-se à capacidade da mulher de experimentar desejo, excitação, satisfação e orgasmo, além da ausência de dor durante a atividade sexual. Esse aspecto foi avaliado no estudo por meio de um índice (FSFI) que mede várias áreas da sexualidade, como:
Desejo: O interesse sexual ou a vontade de ter relações.
Excitação e lubrificação: Capacidade de se sentir fisicamente pronta para o sexo.
Orgasmo: Facilidade ou dificuldade em atingir o orgasmo.
Satisfação: O quão satisfatórias são as experiências sexuais.
Dor: Se há ou não dor durante a relação.
A função sexual pode ser afetada tanto fisicamente (por mudanças hormonais ou cirurgias) quanto emocionalmente (por preocupações com a imagem corporal ou medo da recorrência do câncer). No estudo, vimos que a função sexual melhorou com o tempo, especialmente nas mulheres que deram à luz.
Saúde Psicológica
A saúde psicológica se refere ao bem-estar mental e emocional da pessoa, ou seja, como ela lida com o estresse, a ansiedade, a depressão e outras emoções durante e após o tratamento. No estudo, a saúde psicológica foi medida por meio de escalas que avaliavam sintomas de:
Ansiedade: Preocupação excessiva com o futuro, medo de recorrência da doença ou de não conseguir ter filhos.
Depressão: Sentimentos de tristeza, desesperança ou perda de interesse em atividades que antes eram prazerosas.
Essas condições são comuns em pessoas que enfrentam o diagnóstico de câncer, e o estudo mostrou que, com o tempo, os sintomas de ansiedade e depressão diminuíram, especialmente à medida que as mulheres se adaptavam à nova realidade e tinham seus desejos reprodutivos atendidos.
Preocupações Reprodutivas
As preocupações reprodutivas dizem respeito ao medo e ansiedade que as mulheres podem sentir sobre sua capacidade de ter filhos após o tratamento. Isso inclui:
Desejo de ser mãe: O quão importante é para a mulher ter filhos biológicos.
Ansiedade sobre a fertilidade: Preocupações sobre se ainda será possível engravidar, se os tratamentos afetaram sua capacidade reprodutiva ou se haverá complicações futuras.
Alternativas à maternidade biológica: Pensamentos sobre adoção, fertilização in vitro ou outras opções, caso a concepção natural não seja possível.
No estudo, a maioria das mulheres expressou um forte desejo de se tornarem mães biológicas e esse desejo permaneceu ou aumentou ao longo do tempo. Essas preocupações influenciam muito a qualidade de vida e a saúde mental dessas pacientes, já que a possibilidade de perder a fertilidade pode ser devastadora para algumas delas.
Objetivo Principal
O objetivo da pesquisa foi entender como esses fatores mudam ao longo do tempo em mulheres que passaram por essa cirurgia para tratar câncer ou tumores ovarianos de baixo risco.
Resultados Principais
Agora, vamos aos resultados mais importantes encontrados:
1. Melhora na qualidade de vida e função sexual: Ao longo de dois anos, as mulheres relataram uma melhora na sua qualidade de vida, função sexual e saúde psicológica. Isso é interessante porque muitas dessas mulheres, no momento do diagnóstico, enfrentavam níveis elevados de ansiedade sobre sua saúde e futuro reprodutivo.
2. Desejo de ter filhos: Um dado muito forte foi que 94% das mulheres expressaram o desejo de se tornarem mães biológicas antes da cirurgia, e esse desejo permaneceu ou até aumentou ao longo do tempo. Ou seja, a preservação da fertilidade foi algo central para elas, tanto antes quanto depois da cirurgia.
3. Função sexual melhor após a maternidade: As mulheres que deram à luz, seja antes ou depois da cirurgia, relataram uma melhor função sexual em comparação com as que não tiveram filhos. Isso sugere que o ato de dar à luz pode influenciar positivamente na recuperação da função sexual.
4. Taxa de concepção: Durante o acompanhamento, 76% das mulheres que tentaram engravidar conseguiram, o que mostra que, para a maioria, a cirurgia de preservação foi eficaz em manter a fertilidade.
Aspectos Psicológicos
O estudo também analisou a saúde psicológica, e os resultados mostraram que os níveis de ansiedade e depressão diminuíram ao longo do tempo. No início, 60% das mulheres apresentavam sinais de ansiedade, mas após dois anos, esse número caiu para 38%. Além disso, 21% das mulheres tinham sinais de depressão no início, mas depois de dois anos, nenhuma delas apresentava esses sinais.
Implicações para a Prática Clínica
Este estudo é importante porque destaca a necessidade de uma comunicação aberta entre médicos e pacientes sobre os possíveis impactos do tratamento na vida sexual e reprodutiva. Um dos achados mais preocupantes foi que apenas 14% das mulheres receberam informações claras sobre como o tratamento poderia afetar sua vida sexual. Isso mostra uma lacuna na forma como os profissionais de saúde tratam esse aspecto, que é crucial para o bem-estar das pacientes.
Conclusão
Para resumir, este estudo mostra que, apesar do impacto inicial do diagnóstico e da cirurgia, a qualidade de vida, a função sexual e a saúde psicológica das mulheres jovens melhoram ao longo do tempo. A maioria das mulheres manteve seu desejo de ter filhos, e muitas conseguiram engravidar. Além disso, aquelas que deram à luz relataram uma função sexual melhor. Isso tudo reforça a importância de fornecer informações adequadas às pacientes desde o início sobre as implicações da cirurgia de preservação de fertilidade em suas vidas.
Este estudo ajuda os médicos a oferecer um suporte mais completo às mulheres que enfrentam um diagnóstico de câncer ovariano ou tumores de baixo risco, e a garantir que elas tenham todas as informações necessárias para tomar decisões informadas sobre seu tratamento e futuro reprodutivo.
Fonte: Johansen, G., Lampic, C., Flöter Rådestad, A., Dahm-Kähler, P., & Rodriguez-Wallberg, K. A. (2024). Health-related quality of life, sexual function, psychological health, reproductive concerns and fertility outcome in young women treated with fertility-sparing surgery for ovarian tumors: A prospective longitudinal multicentre study. Gynecologic Oncology, 189, 100-110.
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