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Ave-mulher



PlaygroundIA
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Eram mais ou menos onze e trinta e dois quando ela se foi certa de que nunca mais voltava. Todas as cápsulas do vidro couberam em seu estômago como o talo da flor nas pétalas. Surpresa, Lica acordou no corpo de um porco. A família toda insistia que ela ainda era gente. Tratavam-na assim, mas não adiantava. Do prato na mesa, punha o focinho. Aos amigos, farejava. Ela sabia, havia renascido. Reencarnada num animal superior. A pele lisinha, rósea como o lápis que coloria os desenhos de infância. Um dia viu a mãe de cochichos. A irmã salivando. Teve medo. Fugiu de casa a quatro patas, não queria virar banquete. Correu nas ruas. Era noite, ninguém a via. Teve fome, revirou o lixo. Foi obediente aos seus instintos, fiel aos lamaçais. Já muito velha, ouviu a morte que vinha feito barulho de carro desenfreado. Reencarnou uma ave bonita. Pequena ainda, Lica catava as minhocas com o bico. Fez ninho num lugar alto, poleiro na viga de um prédio. As asas se desgrudaram, cresceram magníficas. De cima, tomou voo enquanto da calçada gritavam e agitavam os braços. Ave não entende língua de gente. Lica voou fechando o ciclo. Não reencarnaria mais.



Ave-mulher - Leticia Lima




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