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Foto do escritorLeticia Lima

Técnicas para manipular a sequência temporal em uma narrativa


luces en el espacio

Flashback


A estrutura linear de uma história é algo que todos nós conhecemos bem. No entanto, a vida real raramente se desenrola de maneira tão ordenada, e nem sempre as histórias que contamos. Uma das técnicas que os escritores usam para adicionar profundidade e complexidade à sua narrativa é a técnica do flashback. Essa técnica envolve voltar no tempo para apresentar eventos que ocorreram antes do momento atual da narrativa.


Flashbacks podem fornecer informações básicas sobre os personagens ou o enredo que são relevantes para o presente da narrativa. Eles podem dar aos leitores insights sobre a motivação de um personagem, explicar um aspecto inesperado do enredo ou simplesmente adicionar uma camada de passado ao mundo da história.


Em "Cem Anos de Solidão", de Gabriel García Márquez, a narrativa frequentemente retrocede no tempo. Um exemplo é quando o livro conta a história da fundação de Macondo, a cidade fictícia onde se passa a história, bem depois de ela ter sido estabelecida.


"Muitos anos depois, frente ao pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo."

Flashforward


Esta é a técnica oposta do flashback, onde a narrativa avança no tempo para apresentar um evento que ocorrerá no futuro. Flashforwards podem ser usados para criar suspense ou para definir expectativas sobre o desenvolvimento do enredo.


Imagine ler uma história em que o personagem principal é apresentado em uma situação de perigo extremo e, em seguida, a história salta para um evento futuro onde vemos o mesmo personagem em uma situação de segurança ou felicidade. Isso não apenas cria um suspense intenso, mas também nos faz questionar como o personagem alcançou essa mudança de circunstâncias.


Um exemplo clássico de flashforward pode ser encontrado no romance "O Morro dos Ventos Uivantes" de Emily Brontë. Neste romance, a narrativa às vezes avança no tempo para revelar o destino de alguns personagens antes de retornar ao presente da história para mostrar como esses eventos futuros se desenrolam. Um exemplo disso é a previsão da morte de um dos personagens principais, Heathcliff.


"Eu estava só, mas não desanimada. Saí a pé para visitar a sepultura de Catherine. Como estava próxima, a viagem não me levou mais de meia hora. Chegando lá, deparei com uma visão que me chocou. Heathcliff estava estendido sobre a relva como se estivesse morto, e com o rosto próximo à sepultura, como se tivesse tentado encontrar o corpo que havia se tornado pó."

Esse trecho antecipa o destino de Heathcliff e também realça a intensidade de seu amor e obsessão por Catherine, criando uma sensação de inevitabilidade trágica que permeia o romance. É uma técnica que Emily Brontë usa para adicionar profundidade emocional à narrativa.


Simultaneidade


Esta técnica envolve apresentar vários eventos como se estivessem acontecendo ao mesmo tempo. A simultaneidade pode ser usada para mostrar diferentes perspectivas sobre o mesmo evento ou para criar uma sensação de caos ou confusão.


Imagine uma cena de um terremoto sendo contada do ponto de vista de vários personagens diferentes ao mesmo tempo. Cada personagem teria uma experiência e reação única ao evento, e a narrativa simultânea dessas experiências poderia aumentar a tensão e o drama da cena.


"Mrs. Dalloway", de Virginia Woolf, é um exemplo clássico de simultaneidade. A narrativa desloca-se entre os pensamentos e experiências de vários personagens ao longo de um único dia em Londres, dando a impressão de que esses eventos estão ocorrendo ao mesmo tempo.


"Com calma e perícia, Elizabeth Dalloway tomou o ônibus para Westminster. Indo e vindo, chamando, acenando, com a luz e a sombra, ora acinzentando o muro, ora amarelando vividamente as bananas, ora acinzentando o Strand, ora amarelando vividamente os ônibus, assim parecia a Septimus Warren Smith, reclinado no sofá da sala; observando o ouro líquido que reluzia e esmaecia com uma assombrosa sensibilidade de criatura viva sobre as rosas, sobre o papel de parede. Lá fora, as árvores arrastavam suas folhas como redes pelas profundezas do ar; o ruído da água ressoava no aposento, e através das ondas vinham os cantos dos pássaros. Todas as potências despejavam-lhe tesouros sobre a cabeça, e sua mão estava apoiada nas costas do sofá, tal como a vira quando se banhou no mar, flutuando na crista das ondas, enquanto ao longe na praia latiam os cães, latiam ao longe. Não temas mais, diz o coração ao corpo; não temas mais."

Analepse


Este termo refere-se a qualquer retrocesso no tempo a partir do ponto atual da narrativa. Portanto, todos os flashbacks são formas de analepse. No entanto, a analepse também pode se referir a referências mais breves ou sutis a eventos passados, que não envolvem uma reconstituição completa desses eventos como faria um flashback.


Por exemplo, um personagem pode fazer uma referência casual a um evento passado que tem relevância para a situação atual. Isso pode ser uma maneira eficaz de fornecer informações de fundo ou desenvolver personagens sem interromper o fluxo da história principal.


Um exemplo de analepse, ou retrocesso no tempo, pode ser encontrado no romance "Em Busca do Tempo Perdido" de Marcel Proust. Este é um dos mais famosos usos da analepse na literatura, onde o narrador frequentemente se desvia do presente para refletir sobre eventos do passado.


"Mas, de repente, um sabor antigo – aquele de um pedaço de madeleine mergulhado no chá da tia – me trouxe à lembrança a manhã de um dia de domingo em Combray, quando eu ia dar bom dia à minha tia Léonie antes de ir à missa. As recordações da infância começaram a vir, todas elas ligadas àquele sabor, que agora me era mais precioso do que as realizações mais prestigiosas do presente."

Neste trecho, o narrador experimenta uma forte memória involuntária ao provar uma madeleine mergulhada no chá, o que o leva a recordar vividamente sua infância em Combray. Esta técnica de analepse é usada por Proust para explorar as relações entre memória, tempo e narrativa.


Não esqueça!


Manipular a sequência temporal em uma narrativa pode ser uma ferramenta poderosa para desenvolver personagens, construir suspense e criar um mundo de história mais complexo e realista. Mas lembre-se, o mais importante é que a técnica sirva à história que você está contando. Não use essas técnicas apenas por usar; eles devem aprimorar a narrativa, não complicá-la.

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